quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

Juventude – Momento de realizações para a vida inteira

História de Vida - Parte V
Jesus em minha vida


Aos quinze anos de idade vivi uma experiência que defino como transcendental, que mudara definitivamente minha forma de ver o mundo. Nesse período eu já tinha uma autoconfiança construída e caminhava em busca de objetivos já bem definidos. Tinha me tornado uma jovem atraente e era uma das garotas mais paqueradas na escola e no bairro, tinha ganhado o concurso de garota do bairro e isso me colocava em evidência, jogava em dois times de handebol e era uma boa jogadora, era alta, já tinha 1,70 com essa idade, costumava ir ao cinema com censura 18 anos e nunca me pediram identificação.


Um dia percebi que Nina andava um pouco sumida do grupo, não mais aceitava os convites para as festas e resolvi perguntar o que tinha acontecido, então ela me contou que estava indo constantemente a uma igreja Batista com sua avó, que estava gostando muito de lá. Na verdade ela já tinha decidido que se tornaria evangélica. Aquilo para mim era uma idéia nova e confesso que não gostei da idéia, eu nunca tinha ido a uma igreja evangélica, mas o que eu entendia por crente é que eram pessoas estranhas, feias e velhas, que usavam saias compridas e não usavam maquiagens ou acessórios. Lembro-me de dizer para Nina que não concordava com ela a esse respeito, apesar de respeitar a sua escolha, disse mais: Deus quer que sejamos felizes e não é dentro de uma igreja que vou ser feliz!


Durante algum tempo Nina me convidava para ir a sua igreja e eu resistia à idéia, na semana do Natal, eu e um grupo de colegas do bairro fomos com ela ver uma cantata em sua igreja, meus óculos haviam quebrado naquela semana e eu não conseguia enxergar direito as coisas ao meu redor, só sabia que estava bem decorada com luzes, pois conseguia ver o seu brilho. O coral era de uma qualidade a qual eu desconhecia, era realmente belíssimo, mas isso não foi o que mais me impressionou naquela noite, mas sim os comentários das meninas com relação aos garotos bonitos que eu não conseguia ver e fiquei curiosa. Foi essa razão que me fez voltar uma segunda vez à igreja e dessa vez com os óculos. Apesar de constatar que minhas colegas estavam certas, havia muitos jovens, rapazes e também moças bonitos, eu não conseguia compreender nada no sermão do pastor, só o obvio que ele falava da importância de estar com Deus em sua vida, mas para mim aquilo não era novo eu acreditava que já tinha Deus comigo.


Passaram os primeiros meses do ano de 1988 e não voltei mais a igreja. Chegou o carnaval e eu acreditava que era a melhor época do ano para ser feliz e naquele ano eu saí quase todos os dias para a o circuito da Av 7 de setembro, eu ia em busca da felicidade e voltava às três da manhã para casa e durante o caminho de volta, eu ficava procurando, onde ela estava e não a encontrava, perguntei-me algumas vezes. Brinquei muito, dancei muito, namorei, estava livre de meus pais e rodeada de amigos tudo isso deveria ser sinônimo de felicidade, mas eu me indagava o porquê de não estar feliz... O carnaval acabou e eu não encontrei respostas para aquelas indagações.


Recomeçaram as aulas e também os treinos de handebol, era um sábado, para ser mais exata, era dia 5 de março de 1988, eu não queria ir sozinha para o treino e pedi a Nina que fosse comigo e ela me propôs uma barganha, irei com você ao treino à tarde, se você for comigo à noite a uma festa de jovens da igreja, eu aceitei.


Os jovens da igreja tinham marcado de se encontrar na frente da igreja para irem juntos até o lugar onde seria a festa. Assim que chegamos à igreja já tinha algumas pessoas lá e Nina apresentou-me Davino, era um jovem alto, magro e muito simpático ficamos conversando durante o tempo em que esperávamos os outros chegarem, e também durante todo o percurso até o local da festa. Davino me falava como ele se tornou cristão e como Deus tinha transformado a vida dele e me impressionei com o que ele dizia, mais ainda com a paz que fluía de dentro dele, não era preciso ele dizer, visto que era perceptível que ele era feliz e cheio de Deus em sua vida, e isso me fazia perceber o quanto distante de Deus eu estava. De tudo o que ele falou algumas palavras não saíam de minha cabeça: “Deus transformou minha vida!”


Eu comecei a me perguntar: se Deus transformou a vida dele, pode transformar a minha também. Enquanto essas palavras ecoavam em minha cabeça, chegamos à festa e como já era de costume entre eles, antes de começar a festa iriam ler a Bíblia e fazer uma oração, neste momento eu comecei a passar mal e não consegui ficar dentro do salão durante este período, fiquei do lado de fora para respirar melhor e bebi um copo com água e então me senti melhor e retornei ao salão de festa, Nina me procurou e perguntou o que eu havia sentido e relatei que fora falta de ar, mas que já estava melhor, ela me convidou para ir ao banheiro com ela e fui com a intenção de retocar o batom e arrumar os cabelos. Fomos, era um banheiro pequeno de aproximadamente um metro quadrado e chegando lá Nina disse-me: “Ione, posso orar com você?” Eu achei engraçado, mas concordei, ela disse ainda: “eu oro primeiro e você depois, ok?” Nina começou a fazer sua oração e eu não sei o que ela falava não conseguia prestar atenção no que ela dizia por que uma coisa estranha aconteceu enquanto ela orava, eu comecei a sentir a presença de Deus naquele local, não estou fazendo uso de figura de linguagem, estou falando de maneira concreta, Deus tinha saído do Seu lugar e estava literalmente entre nós, e eu sabia disso. Comecei a chorar muito e dentro de mim passava vários pensamentos como: Por que Deus com tanta gente para se preocupar, o mundo tão grande, porque Ele está aqui agora? Sentia-me prestigiada, mas ao mesmo tempo constrangida por uma presença santa diante de mim pecadora. De repente Ele começou a falar comigo e dizia o seguinte: “Ione, eu te criei e ti escolhi não para viver do jeito que você está vivendo, seu lugar é aqui junto a meu povo, tenho um plano para a sua vida”. Essas palavras pareciam ecoar de dentro de mim e eu não sabia o que fazer com tudo isso, então desejei sair correndo dali, entrar no primeiro ônibus e voltar para casa, Nina acabou de fazer sua oração e não entendia direito o que estava acontecendo, ela não tinha ouvido o que Deus tinha dito, nem tinha percebido Sua presença do mesmo jeito que eu, ela apenas me pediu para fazer uma oração e minha resposta foi que eu não sabia orar, ela então, me disse: fale qualquer coisa, mas fale com Deus e assim eu fiz a seguinte oração: Senhor, eu não sei se vou conseguir fazer a sua vontade, mas eu quero tentar, me ajuda a viver a vida que o Senhor tem para mim. Amém! Após essa oração eu já me sentia uma nova pessoa, o constrangimento de estar diante de um Deus Santo foi embora e o meu ser encheu-se de Paz de felicidade de algo que é impossível explicar com veracidade, posso dizer que eu estava cheia de Deus em minha vida, a Bíblia chama isso de Novo Nascimento e a partir daquele momento tornei-me uma nova pessoa.


Portanto, meus irmãos, por causa da grande misericórdia divina, peço que vocês se ofereçam completamente a Deus como um sacrifício vivo, dedicado ao seu serviço agradável o ele. Esta é a verdadeira adoração que vocês devem oferecer a Deus. Não vivam como vivem as pessoas deste mundo, mas deixem que Deus os transforme por meio de uma completa mudança da mente de vocês. Assim vocês conhecerão a vontade de Deus, isto é, aquilo que é bom, perfeito e agradável e ele.[1]




Bíblia Sagrada, na Linguagem de hoje: Romanos 12:1-3. P. 134.

Superando dificuldades acadêmicas

História de Vida - Parte IV
Eram muitas as dificuldades que eu tinha em função do péssimo aproveitamento escolar que tive no fundamental, mas incentivada por Nina que começou a estudar comigo, pouco a pouco fui superando.

Ela estava concluindo o curso de magistério e ficávamos estudando as noites, por muitas vezes em época de prova: íamos até às duas da manhã estudando e assim fui aprovada na quinta e sexta séries do fundamental II.

Quando cursava a sexta série, fiquei na recuperação de cinco matérias e meu pai disse que eu não ia conseguir passa de ano, que eu era “burra” e que não daria para nada mesmo. Estudei muito com Nina para conseguir passar de ano e mostrar para meu pai que eu era capaz. Quando peguei o resultado de que tinha sido aprovada, ansiosa desejava chegar em casa para dizer-lhe que eu tivera passado de ano, quando orgulhosa falei-lhe do meu feito disse-me com desdém “isso é porque a escola pública não reprovava ninguém” e que pro isso haviam me aprovado. Talvez ele tivesse vendo à frente de seu tempo, porém essa não era a prática naquela época.

Resolvi provar-lhe que a escola pública reprovava e no ano seguinte fui para recuperação de três matérias, apesar de já ter decidido no ano anterior, que perderia aquele ano. Fui em tom de desafio mostrar-lhe, que daquela vez estava reprovada e fazendo-o lembrar-se das palavras que me disse no ano anterior e completei dizendo: “A escola pública reprova!” Ele olhou com tranqüilidade e me respondeu: “Tem que ser muito ruim mesmo para ser reprovada até em uma escola pública, mas eu sempre soube que você não daria para nada mesmo.” Aquela reprovação não o deixou abalado nem preocupado realmente parecia que ele já esperava com tranqüilidade aquele resultado e isso, mais uma vez me fez experimentar a desvalorização.

Eu e Nina conversamos muito sobre isso e entendi que não importava o que eu fizesse para meus pais eu seria sempre uma incompetente, o que eu precisava era a partir daquele momento, desistir de querer provar alguma coisa para os outros e viver da maneira que seria bom para mim, buscando conquistas pessoais e sentir-me capaz para construir a minha história.

Acredito que essa foi uma grande conquista, pois descobri que eu precisava construir minha própria identidade e caminhar em busca do meu futuro, bastava apenas, eu acreditar nisso e em mais ninguém, uma descoberta bem madura para uma adolescente de 13 anos de idade, mas eu sempre encontrei o incentivo sincero e amigo de Nina a qual eu denomino como uma Grande amiga.

...Era a de não apenas estar no mundo, mas com ele. A de travar relações permanentes com este mundo, de que decorre pelos atos de criação e recriação, o acrescentado na realidade cultural. E de que, nestas relações específica – de sujeito para objeto – de que resulta o conhecimento, que expressa pela linguagem.[1]


[1] FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade. p.104-105.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Adolescência – superação de traumas e descobrindo-me capaz


História de Vida - Parte III

Nina, uma grande amiga!

Nina foi uma menina que conheci na adolescência tinha aproximadamente 13 anos, ela jogava bem futebol, já tinha jogado em um time profissional, era bem mais velha e muito inteligente, era negra, magra e morava bem perto da minha casa. Rapidamente nos tornamos muito amigas, poderia dizer sem medo de errar a melhor amiga que já tive. Conversávamos muito. Ela costumava a dizer que eu era muito madura para minha idade e que me considerava inteligente, assustava-me com essas falas. Eram diferentes de tudo que eu tinha ouvido durante a minha vida, de tanto ela falar acabei acreditando e com isso, pouco a pouco fui recuperando minha alto estima.

Nina sempre costumava ouvir muito o que eu dizia e por muitas vezes contava para ela a minha história, os traumas e as marcas que estes acontecimentos deixaram em mim, diria que Nina era uma espécie de “Psicanalista casual” que Deus colocou em minha vida para me ajudar a curar as feridas. Enquanto falava, eu também ouvia, ia reconstruindo impressões e pouco a pouco me aceitando, amando-me e crescendo.

Hoje posso avaliar a importância dessa amizade em minha vida e gostaria de deixar aqui uma homenagem registrada, não somente a Nina, mas a todos que realmente investem em amizades e ajudam com este ato doador a formar pessoas melhores!

Porém, nossa amizade não era só de coisas serias, éramos adolescentes e brincávamos muito de: futebol, de fura pé, baleou, handebol (esporte que sou apaixonada e pratiquei durante 5 anos diariamente, chegando a jogar em dois times oficiais), íamos ao cinema, festas, e muitas outras coisas. Andávamos tanto juntas que por algumas vezes meus pais nos acusavam de homossexualismo.

Lembro-me dos meus quinze anos, sempre idealizei que essa data seria marcante para mim, e que seria comemorada com uma grande festa, mas, essa festa não aconteceu e fiquei triste por isso, Nina então disse vamos fazer algo para marcar esse dia para o resto de sua vida, que tal fugir de casa e fazer uma viagem? Achei a idéia interessante e começamos a planejar o que faríamos.

Naquele dia, saímos cedo de casa e falamos a meus pais que íamos a um chá de cozinha de uma amiga de Nina, mas fomos até o ferri-boat e fizemos a travessia Salvador- Itaparica , foi uma viagem marítima aventureira com o gosto de liberdade e desafios, chegando lá resolvemos pegar um transporte alternativo, ir para a ilha de Mar Grande, pois assim seria mais fácil voltar de lancha para Salvador. Passamos o dia rindo e conversando, em um momento vi um tio passando bem perto e tivemos que correr para nos esconder, para que ele não nos visse, foi mais uma tensão naquele dia marcado de aventuras. Quando resolvemos voltar para casa era final de tarde, a lancha era uma embarcação pequena que virava com o vai e vem das ondas do mar e às vezes entravam água com o balanço da embarcação. Chegamos em Salvador enjoadas e tontas, mas, felizes e realizadas, visto que tínhamos conseguido marcar aquele dia para o resto de nossas vidas.

A foto acima é de nina, hoje Pastora Nina, da Igreja Batista Betel do Brasil.


sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

História de vida

(Parte II)

Crise e preconceito (Ver ou enxergar )

O dia-a-dia em sala de aula logo foi revelando as minhas limitações em relação aos demais alunos e à perspectiva da escola. Neste período: décadas de 70 e 80 a educação era marcada pela linearidade, entendia-se por ensinar fazer o aluno escrever repetidas vezes no caderno o que a professora escrevia no quadro e para mim esta era uma tarefa muito difícil, praticamente impossível. Sempre me sentava na primeira carteira, logo à frente, próxima da professora, as carteiras eram conjugadas, mas não conseguia acompanhar o rendimento da turma, sempre estava atrasada e quase sempre não conseguia cumprir com as atividades. Não demorou muito e as críticas começaram e com esta, também a discriminação. Lembro-me de tentar copiar do colega do lado e ele colocar o seu braço na frente do caderno, para que eu não copiasse dele, às vezes, eu me levantava e tentava copiar o quadro com o caderno apoiado na parede junto ao quadro, mas a professora não gostava, pois ficava atrapalhando o movimento dela na sala de aula. As minhas letras eram grandes, feias e quase sempre escrevi acima da pauta do caderno. A professora algumas vezes, pegava o meu caderno e levantava à frente da sala para exemplificar como não deveria ser feito. Sua fala era mais ou menos assim: “Isso é letra de gente? Que coisa horrível! Para que serve a margem? Você não está enxergando que não está sobre a margem?” O meu sentimento era de incompetência, e naquele momento, eu não seria capaz de expressar este sentimento, então ficava calada, praticamente, durante todo o tempo.

Durante este período já vivia problemas em casa. Meu pai estava cada dia bebendo mais e eu tinha medo dele, ele tornou-se um homem muito agressivo, qualquer atitude que ele não aprovasse era motivo para nos bater. Lá em casa tinha uma palmatória (um artefato de madeira com a ponta arredondada que era usada para bater em crianças) nos juntamos, eu e os meus irmãos, para jogá-la fora, mas tínhamos muito medo da resposta de “painho”, quando descobrisse. Resolvemos escondê-la. Decidimos que, se as coisas se complicassem... “acharíamos” a tal palmatória e devolveríamos para ele. Um dia, quando ele procurou e não a encontrou disse que isso não nos impediria de tomar a tal surra, saiu e pegou um escovão de engraxar sapatos com a base em madeira e todos os três apanhamos muito, não me lembro nem o porquê da surra, só sei que elas eram cada vez mais freqüentes. Certo dia, neste período eu deveria ter 8 anos, Iuri 10 e Ivana 6, estávamos jogando dominó à mesa da sala, de repente painho chegou e disse que deveríamos acabar com o jogo (ele estava embriagado naquela noite, como de costume), ao guardar as pedras percebemos que faltava uma e ele disse que tínhamos que achar a pedra do dominó que faltava senão todos íamos apanhar. Nervosos procuramos e não a encontramos. Ele pegou uma raquete de madeira de jogar ping pong e começou por Iuri que tomou 6 bolos, três em cada uma das mãos e fui a segunda que também tomei os 6 bolos, lembro-me de que o mais difícil não era suportar a dor, que era muito grande, mas era terrível ter que abrir a mão para que ele batesse, a sensação de impotência nos fazia ter consciência que a palmatória não era o nosso maior problema. Ele sempre arrumaria um jeito, Ivana seria a terceira, após o segundo bolo a raquete quebrou ao meio, não resistindo com o impacto em nossas mãos.

Era doloroso para mim, tão criança, compreender por que as coisas eram daquele jeito. Tornei-me uma criança insegura, medrosa. Sentia-me incapaz e isso se agravava com a realidade vivenciada na escola.

Estava na segunda série primária e todos os anos eu fazia recuperação de todas as matérias, não conseguia boas notas e era discriminada por todos na sala, à exceção de uma menina que se chamava Natalina, ela era a única criança da sala que sentava ao meu lado. Ríamos juntas, Natalina também era muito descriminada pelo restante da sala, pois tinha um problema nas mãos que a fazia suar sem parar, não era pouco o suor, ela sempre estava com um lenço nas mãos, mas, mesmo assim seu caderno era todo borrado, molhado, manchado, às vezes chegava a furar por causa da umidade e a professora também usava o caderno dela para dizer como não deveria ser um caderno de criança.

Naquele ano aconteceu algo que marcaria toda a minha vida, minha mãe tinha posto um lanche em minha merendeira, de que eu gostava muito e fui à escola ansiosa para que chegasse a hora do intervalo para lanchar. Quando tocou a sirene do recreio rapidamente abri à merendeira e alguns meninos viram o delicioso sanduíche que minha mãe tinha feito, o nome deles era Raulindo e o outro André, eles pularam em meu lanche e a minha resistência foi inútil, pois comeram-no, tudo isso aconteceu diante dos olhos da professora, que não interveio, apesar dos gritos que dei pedindo ajuda. Triste, fiquei quieta até o fim da aula, quando finalmente meu irmão chegou para me buscar (Iuri tinha apenas 9 anos de idade, mas íamos juntos e sozinhos para casa, que não ficava longe da escola), todos os colegas ainda estavam na sala e a professora Lúcia, chamou Iuri à frente da sala e disse para ele: “ Diga para sua mãe, levar esta menina ao médico para fazer um exame na cabeça. Ela não é normal, essa menina é louca”, todos riram, inclusive meu irmão. No caminho de casa meu irmão ia me abusando, brincando (uma ação tipicamente de criança) e cantando assim: “Você é maluca, você é maluca!” Eu comecei a chorar, mas, agora para mim tudo fazia sentido, lembro-me claramente deste momento, comecei a pensar: “Então é por isso que não consigo ser igual aos outros colegas, sou doente da cabeça e a professora que sabe de tudo, sabe disso”, era uma sensação de descoberta e profunda tristeza, mas agora eu sabia que não adiantava tentar, eu sempre seria inferior aos demais colegas. A partir deste dia, eu não mais me importava, quando os colegas de sala riam de mim ou quando a professora pegava meu caderno para falar como ele era feio, tornei-me passiva e as notas pioraram ainda mais.

Durante a terceira e quarta séries tive uma nova professora e eu gostava dela, seu nome era Valdimira. Uma vez, eu a ouvi conversando com a “pró” Lúcia, que perguntava: - Não entendo como essa criança pode estar na quarta série com tanta defasagem. Valdmira respondeu: – Não posso fazer nada, se ela obteve nota na recuperação. Ouvir isso me fez sentir orgulho de ser capaz.

Durante a quarta série, muitas coisas aconteceram que começaram a mudar minha história. Meu irmão tinha apresentado um problema nos olhos, pois sempre estava lacrimejando e minha mãe resolveu marcar um oftalmologista para todos os filhos de uma só vez. Primeiro, o oftalmologista consultou Iuri, que não tinha problema algum de visão, o médico receitou um colírio para ele, depois foi a minha vez, o médico ficou bravo quando me examinou e falou duro com minha mãe, “a senhora nunca percebeu que essa menina tem problema de visão? Ela nunca foi a um oftalmologista antes?” Não! _ respondeu minha mãe. Ela sempre assiste à televisão com a cadeira junto a TV, mas sempre achei que era porque ela tinha preguiça de levantar para mudar de canal _concluiu minha mãe. O diagnóstico do médico revelava minha deficiência, não mental, mas, visual. Ele disse que muito provavelmente eu já havia nascido míope, porém, por não ter usado óculos minha miopia se agravou de maneira degenerativa e com 7 anos eu já havia perdido cerca de 30% da visão do olho esquerdo e apresentava ainda miopia alta e astigmatismo que se somavam a um estrabismo visível e tornava minha visão extremamente limitada, o que no futuro me levaria a fazer duas cirurgias, e comprometeria minha visão pelo o resto da vida.

Mas, aquela notícia fez-me perceber mais do que a qualidade de visão que no momento eu tinha com os óculos, pude entender que todas as crianças tinham uma visão melhor e isso justificava como elas conseguiam copiar tão rapidamente do quadro as atividades, e finalmente eu passei a enxergar as linhas do caderno, percebi que não precisava escrever tão grande para ler depois e isso fez com que eu me sentisse melhor, mais capaz e quem sabe “Normal”.

Bons professores têm uma boa cultura acadêmica e transmitem com segurança e eloqüência as informações em sala de aula. Os professores fascinantes ultrapassam essa meta. Eles procuram conhecer o funcionamento da mente dos alunos para educar melhor. Para eles, cada aluno não é mais um número na sala de aula, mas um ser humano complexo, com necessidades peculiares.[1]

É preciso discutir a atitude dos meus professores e até mesmo dos meus pais em função do fato ocorrido. Primeiro, eles enxergavam menos do que eu, pois com olhos saudáveis não foram capazes de perceber a minha deficiência visual. Segundo, a atitude que tiveram no que se refere ao papel de educadores, prejudicou boa parte de minha formação acadêmica e moral, diante dos estigmas que foram colocados sobre mim. Prefiro deixar por conta dos leitores outras possíveis considerações sobre o fato, reconhecendo que posso ser tendenciosa em avaliar os fatos ou até mesmo injusta com as partes em questão.



[1] CURY, Augusto. Pais brilhantes, Professores fascinantes: A educação de nossos sonhos: formando jovens felizes e inteligentes. P. 57

terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Saudades! - História de vida (Parte 1)

Dizem que só o brasileiro sabe o que é saudade, vocábulo não traduzido para outros idiomas, porém, a verdade é que todos nós desde pequenos sabemos o gosto amargo que ela deixa.

Relembrar o passado é viver outra vez ou quem sabe reescrevê-lo, aprender com a vida as lições de sabedoria, aprender a não repetir os erros e fazer ainda melhor os acertos, tornando-se mais maduro e seguro.

No passado tive o privilégio de escrever minha história de vida, refletindo sobre minha educação básica e formação acadêmica, discutindo, indagando comigo mesma e com a vida parte do processo já vivido e vou contar para vocês os meus segredos; publicarei parte desta reflexão em capítulos, para você reviver comigo essa história...


  1. Descobrindo o mundo da escola:

Comecei a estudar aos cinco anos de idade. Lembro-me do primeiro dia... A escola era um espaço novo, grande e eu tinha a expectativa de poder fazer amigos e de brincar muito. Parecia que era um ambiente de crianças, afinal elas eram a maioria ali. Quieta, muito tímida permanecia observando aquela movimentação, sentia-me atraída pelo novo, apesar da insegurança enorme que prevalecia. Logo na mesma semana, vivi meu primeiro grande trauma: era aula de educação física e para mim parecia a mais legal de todas, afinal nesta aula as crianças corriam, jogavam bola, brincavam de roda e o uniforme era diferente para este dia e eu achava mais bonita, era uma saia pregueada de tergal azul marinho, com uma fofoca por baixo (fofoca era um short folgado com um ajuste nas pernas) e uma blusa branca. Naquele dia fui animada para a escola seria minha primeira aula de educação física, mas quando minha mãe foi comprar a farda da escola não tinha a fofoca do meu número, assim coloquei minha farda de educação física e por baixo da saia vesti um short azul que tinha e fui à escola, chegando lá minha mãe foi à secretaria ver se já tinha chegado a fofoca com minha numeração para que eu pudesse fazer a aula, mas não havia chegado à farda e fui proibida de fazer aula sem a farda completa. Ainda posso lembrar daquele momento, chorei muito, acho que durante a aula toda, fiquei ali no pátio olhando todas as crianças da minha turma brincando, rindo e eu não podia participar daquele momento. Meu sentimento era de rejeição, excluída da melhor parte da escola e por algumas semanas este episódio se repetiu, duas vezes por semana.

Gostaria de abrir aqui um parêntese para discutirmos o fato pedagogicamente. Qual é o papel da escola? Excluir ou incluir? Qual a necessidade real do fardamento naquele momento? Levando-se em conta que a falta do fardamento não representava ali uma opção, ou uma tentativa de me rebelar contra os princípios da escola e, sim, uma limitação da própria escola em fornecer o fardamento. Acredito que a instituição “escola” e também os educadores precisam definir prioridades no processo ensino-aprendizagem, o que é mais importante e entendo que a prioridade deve ser sempre a formação do ser humano, como diz o educador Paulo Freire em sua poesia:

A Escola

Escola é... o lugar onde se faz amigos, não se trata só de prédios, salas, quadros, programas, horários, conceitos... Escola é, sobretudo, gente, gente que trabalha, que estuda, que se alegra, se conhece, se estima. O diretor é gente, O coordenador é gente, o professor é gente,

o aluno é gente, cada funcionário é gente.

E a escola será cada vez melhor na medida em que cada um se comporte como colega, amigo, irmão. Nada de “ilha cercada de gente por todos os lados”. Nada de conviver com as pessoas e depois descobrir que não tem amizade a ninguém, nada de ser como tijolo que forma a parede, indiferente, frio, só. Importante na escola não é só estudar, não é só trabalhar, é também criar laços de amizade, é criar ambiente de camaradagem, é conviver, é se “amarrar nela!”.

Ora, é lógico... Numa escola assim vai ser fácil estudar, trabalhar, crescer, fazer amigos, educa-se,

Ser feliz. [1]

Alguns anos já se passaram desde o episódio do uniforme, porém sabemos que ainda são muitos os que hoje exercem funções de educadores, sem ainda possuírem a clareza do seu papel docente. Às vezes entro em crise, achando que nunca será possível mudar essa realidade frustrante da educação no Brasil e satisfaço-me com a oportunidade de fazer a minha parte e ter a certeza de que não estou só.



[1]FREIRE, Paulo. A escola (Ref. Incompleta)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

Fé e fé


Encontramos uma dialética complicada e curiosa entre céticos e religiosos em busca da compreensão do sentido da vida.
Enquanto os céticos preferem crer que do caos o big ben coloca o universo na existência;
A fé conduz a crença de que do caos Deus faz o mundo existir.
Os céticos crêem na vida como uma casualidade e a morte como o fim da existência...
Os da fé vêem a vida como uma dádiva e a morte como um reencontro com seu Criador...
Os céticos crêem em uma existência sem Deus e os da fé crêem em um Deus da existência...
Os céticos crêem em homens que criaram um Deus; Os da fé crêem, em um Deus que criou o homem...
Parece que não importa de que lado você está, a fé faz parte do homem. Seja para crer ou para não crer, é necessário fé. O improvável é a certeza, é a comprovação do ser existencial, a vida é algo ilógico e inexplicável, porém, a busca da explicação é inevitavelmente humana e a existência é inexplicavelmente real.
Parece que só nos resta a dúvida ou a certeza por fé:
A fé no acaso ou em um Criador Senhor.
Iône Lobo

sábado, 7 de janeiro de 2012

O ônus do preconceito - Power Point


O ônus do preconceito

O negro, a mulher, o nordestino, o pobre...
As diferenças étnicas são questões que precisam ser discutidas e compreendidas com maior seriedade.
Não cabe mais a discussão sobre o ser igual ou diferente no que diz respeito a capacidade de pensar ou competência de aprender. O fato é que muitas são as práticas que fazem distinção entre raças ou grupo social.
-Pense rápido e responda honestamente:
  • O mercado de trabalho é mais fácil para o negro ou para o branco ?
  • Os melhores salários são atribuídos aos homens ou às mulheres?
  • São mais respeitados em ambientes públicos o sulista ou o nordestino?
  • Quem é mais inteligente, o rico ou o pobre?
Se você foi bem sincero está evidenciado o estigma do preconceito.
Todo ser humano saudável tem a mesma capacidade intelectual ou seja pode desenvolver as mesmas construções cognitivas.
O preconceito traz o peso do estereotipo, que descrimina e monta um vendaval de paradigmas que dificulta o crescimento, a projeção social, até mesmo o aprendizado. Depois fica fácil acusar e afirmar que brancos, homens, sulistas e ricos são melhores e mais inteligentes. O que de fato não se percebe, é que isso é apenas o ônus do preconceito, “o salário do pecado”, o resultado de não aceitar os diferentes e não valorizar as nobres atitudes, apenas culpam os que não encontram nem a oportunidade de ser igual ou o respeito como diferente.
Só uma educação libertadora e problematizante pode romper com o preconceito e ir em busca de novos caminhos para a nossa sociedade.
Ione lobo

quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Achados e Perdidos

(Será que tem valido a pena)

Achamos a industria; Perdemos as árvores.
Achamos a telecomunicação; Perdemos a relação pessoal.


Achamos a liberdade de expressão; Perdemos o respeito ao outro.


Achamos a lua; Perdemos a água do planeta terra.


Achamos a imagem virtual; Perdemos a noção do que real.


Achamos métodos anticoncepcionais; Perdemos os limites entre a sexualidade e a dignidade.


Achamos que o progresso esta no novo; Perdemos a consciência de respeitar os mais velhos.


Achamos a informação globalizada e rápida; Perdemos a reflexão e a criatividade.


Achamos as industrias bélica; Perdemos muitas vidas.


Achamos que crescemos; Perdemos a capacidade de ser como uma criança.

Conceitos e preconceitos; Progresso e retrocesso.
É preciso rever, avaliar e delimitar o que de fato é necessário para construção da vida neste novo século.

Ione Lobo